Centenas de sismos que abalaram os Açores esta segunda tiveram origem na mesma falha que destruiu São Miguel há quase 500 anos. É improvável que haja consequências graves, mas a crise pode durar meses.
Os cerca de 300 sismos que têm abalado o arquipélago dos Açores desde esta madrugada têm origem na mesma falha tectónica que, em 1522, originou um terramoto catastrófico que destruiu quase toda a população de Vila Franca do Campo, alterou completamente a ocupação da ilha de São Miguel e originou um tsunami, explicou ao Observador Miguel Miranda, presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera. A hipótese de tsunami “é real” na atualidade, mas pouco provável: “Os sismos teriam de ter uma magnitude muito superior e serem registados muito mais à superfície para que isso aconteça”, explicou o geofísico.
As crises sísmicas nos Açores não são estranhas, ressalva Miguel Miranda: “A atividade sísmica não é homogénea e não acontece em intervalos regulares de tempo. Muitas vezes agrupam-se no tempo e no espaço”, disse ao Observador. É isso que tem acontecido nos Açores, tão habituada à elevada atividade sísmica que o mapa sísmico do IPMA nem sequer tem representados os terramotos de magnitude inferior a 2,0 na escala de Richter no arquipélago. De acordo com dados do Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores, desde as 23h47 deste domingo que foram registados “mais de três centenas de sismos” com magnitude entre 1,9 e 3,2 na escala de Richter.
A atividade sísmica nos Açores é considerada alta, não só porque há uma grande frequência de tremores de terra no arquipélago, como também por causa da magnitude desses sismos. Tudo isso acontece porque os Açores ficam mesmo por cima dos limites de três placas tectónicas: a euroasiática, a norte-americana e a africana. Entre a placa euroasiática e a placa norte-americana existe um limite divergente, isto é, elas afastam-se uma da outra e permitem que o magma que existe por debaixo da crosta terrestre suba para a renovar: é na zona desse afastamento, chamada Dorsal Médio-Atlântica, que a crosta terrestre se recicla, provocando uma grande atividade sísmica e vulcânica.
O Ponto Triplo e a falha do Congro
Enquanto isso acontece, a uma velocidade de cinco milímetros por ano, a placa africana vai-se afastando da placa norte-americana mas chocando e raspando contra a placa euroasiática. No entanto, não há consenso sobre o que acontece exatamente entre a placa africana e as outras duas para afetar tanto a sismologia açoriana: “Não parece haver uma estrutura tectónica única e bem definida entre a Eurásia e a África na região dos Açores, mas antes uma larga faixa de acomodação de tensões entre essas duas placas“, explicou o geólogo José Madeira num estudo sobre a tectónica de placas associada a esse arquipélago. Certo é que são essas as tensões que têm provocado os sismos registados nas últimas horas: “Os sismos libertam energia mecânica, mas por vezes essa energia acumula-se noutros pontos, como numa transferência, e liberta-se mais tarde”, conta ao Observador o presidente do IPMA.
É desta interação entre três placas, chamada Ponto Triplo pelos cientistas, que nasceu a falha do Congro, que tem originado os sismos da madrugada desta segunda-feira. Essa falha atravessa a ilha de São Miguel desde leste de Santa Maria até à Crista Médio-Atlântica, uma cordilheira submarina a oeste das ilhas Graciosa e Faial. Em dias mais calmos, só esta falha é responsável por três a cinco pequenos sismos por dia, mas também já foi aqui que tiveram origem as últimas grandes crises sísmicas açorianas entre 1989 e a atualidade. Foi também aqui que se registou o segundo sismo mais catastrófico do país, apenas ultrapassado pelo terramoto de 1755: a subversão de Vila Franca.
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A tectónica de placas associada aos Açores.
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“Um grandíssimo e espantoso tremor de terra”
Na noite de 21 para 22 de outubro de 1522, um sismo de intensidade X (desastroso) na escala de Mercalli foi registado em Vila Franca do Campo, precisamente onde passa a falha do Congro. Gaspar Frutuoso, historiador nascido nesse ano, escreveu 70 anos mais tarde que “menos de duas horas ante manhã, estando o céu estrelado e claro, sem aparecer nuvem alguma, se sentiu em toda a ilha um grandíssimo e espantoso tremor de terra, durou por espaço d’um credo, em que parecia que os elementos, fogo, ar e água, pelejavam no centro d’ela, fazendo-a dar grandes abalos, com roncos e movimentos horrendos, como ondas de mar furioso, parecendo a todos os moradores da ilha, que se virava o centro d’ela para cima e que o céu caía”.
Em Monte do Rabaçal, nome dado á época a um monte sobranceiro a Vila Franca do Campo, a lama derrubou as casas, obstruiu os caminhos, destruiu as terras de cultivo e matou pelo menos três mil pessoas — muitas delas soterradas ao fugir de casa com receio das réplicas.
"Da ribeira para a parte do Oriente, onde estava a Vila, tudo foi assolado e os moradores todos quase mortos”, recorda o historiador.
Estudos feitos em 2006 pelo Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos (CVARG) provaram que este sismo na falha do Congro teve epicentro a poucos quilómetros para noroeste da vila e que deve ter provocado o deslizamento de 6,75 milhões de metros cúbicos de detritos vindos do Monte do Rabaçal, hoje denominada Ribeira da Mãe d’Água. As terras devem ter-se deslocado a uma velocidade de três metros por segundo: foram demasiado rápidas para que a população pudesse fugir. Estima-se que os sobreviventes não tenham passado das sete dezenas.
[Reveja o vídeo sobre a placa africana que está a rachar Portugal]
É difícil repetir-se a tragédia
Miguel Miranda diz que dificilmente algo tão catastrófico pode acontecer desta vez nos Açores. O maior sismo registado nesta crise tinha magnitude 3,6 na escala de Richter e teve origem a 15 quilómetros de profundidade, nas vizinhanças do vulcão do Fogo: “Para que algo tão grave acontecesse, e para que um tsunami pudesse ameaçar os Açores, era preciso um sismo com uma magnitude muito superior e com origem numa profundidade muito mais superficial”, explica o presidente do IPMA.
Esta não é a primeira vez que se regista um número anormal de sismos de pequena magnitude no arquipélago dos Açores. Em setembro de 2016, o Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA) informou que “assistiu-se a um incremento no número de eventos que, quando têm uma magnitude um pouco superior ou se situam mais próximo de zonas habitadas, acabam por ser sentidos pela população” desde finais de agosto daquele ano. Esses sismos tinham magnitude semelhantes, mas apenas três deles foram sentidos pela população porque tiveram origem junto à costa: ao longo daquele mês, outros sismos foram registados, mas “os epicentros foram mais distantes do litoral e a população não os sente”, explicou Teresa Ferreira, presidente do CIVISA. Outras crises sísmicas foram registadas dez anos antes, em 2005 e em 2007.